Cérebro: Para Que?

Elson de Araújo Montagno, MD, PhD

Temos cérebro, sim. Para o domínio do corpo e controle da mente. O corpo segue seu desenvolvimentos através de etapas de aquisição e manutenção de habilidades motoras, sensitivas e psíquicas.

Entre automático e insconsciente, o corpo descreve sua trajetória natural, exceto quando controlamos as ações através de nossa mente.

E fazemos isso a partir de nossa vontade, que nasce de nossos instintos modulados por nossas idéias. O cérebro humano tem dois hemisférios - direito e esquerdo. Um se especializa em funções mais objetivas, racionais, matemáticas (hemisfério esquerdo); o outro, nas subjetivas, intuitivas, artísticas (hemisfério direito). Os dois hemisférios se comunicam por uma ponte, o corpo caloso, de modo que o indivíduo como um todo, integre, tome consciência, saiba com os dois lados do corpo, para assim poder existir com suas características principais de ser humano, tendo autoconsciência.

As células do cérebro são de natureza vária. Um grupo, chamado de células gliais, dá a infra-estrutura e as condições operacionais de alimentação, segurança e apoio para que um segundo grupo, o dos neurônios, trabalhe no sentido nervoso propriamente dito, efetuando motricidade, sensibilidade e consciência.

O mundo está cheio de gente. Corpos com suas demandas e habilidades e mentes com suas vontades e ideais. Assim, somos um mundo orgânico de pessoas que realizam trabalho e têm idéias de maneira crescentemente organizada, ainda que algo inconsciente de sua unidade global.

Somos uma sociedade planetária, que trabalha com a idéia de globalidade desde as duas guerras mundiais. Agora sentimos o impacto de países outrora longícuos, através de informações instantâneas e de competitividade direta.

Assim, como um todo, a sociedade se deu conta de sua outra metade oriental. Os conflitos a que nos referimos levam à escassez de alimentos, de matérias-primas e industrializadas e a cataclismos técnicos, com destruições já "testadas" sobre cidades inteiras, mares paradisíacos, desertos e subsolos. Nossa consciência planetária está sendo formada e ampliada por esses momentos críticos.

O mundo pode assistir on-line o bombardeio de Bagadá. Assim como na vida individual, aprendemos no planeta Terra com o sofrimento e a dor.

A Terra, globo terrestre que os gregos chamaram de Gaia, voltou à cena cultural com a sensata hipótese de que nosso planeta seria um ser vivo. Aqui, eu e você, juntos, estamos para Gaia, que é maior, mais velha, mais digna e mais forte de que nós, como apenas uma de suas infinitas circuntâncias.

Vistos por olhos que enxergam a Terra de modo a encher o seu campo visual, como do espaço, nós, humanos, somos tão invisíveis quanto são, olhadas sob a mesma perspectiva, as células de nosso corpo.

Se olharmos do espaço para a Terra com atenção, veremos as luzes das grandes cidades brilhando à noite. Veremos também, qual arranhões, grandes realizações humanas, como por exemplo, a muralha da China.

Ainda vendo do espaço, a atmosfera terrestre é, de perfil, tangencialmente ao horizonte deste campo visual preenchido por Gaia, uma fina casca azul brilhante, colorido dado pelo oxigênio produzido pelas células de algas e de folhas verdes.

Cada árvore é uma benigna célula do corpo Gaia, a Terra. Podemos, por analogia, identificar pele, unhas, pelos, pulmões, coração, artéria, cérebro. Sim, cérebro.

Medico das neurociências, não posso deixar de enxergar uma correlação direta entre o ser humano individual, com suas circuntâncias, e Gaia, com seu meio ambiente. Todo ser humano, inteligente, é também como uma célula no corpo de Gaia.

Uma célula nervosa, que age por impulsos, que descarrega continuamente ações e reações que afetam o todo, que altera a pele de Gaia, mudando a proteção dada por árvores e arbustos; que modifica artérias, quando polui, seca ou represa os rios.

Poderia continuar, acredite, a achar semelhanças entre os corpos, humano e de Gaia. Porém, como o cérebro mais me fascina, concentro o desafio da analogia neste que é órgão de todos os mistérios.

Assim, somos nós, agricultores, pastores, obreiros, sacerdotes, juízes, prestadores de serviços, os que movimentam a civilização de modo progressivo, os que trazem a poesia, a beleza, o alívio, os rituais e iluminam o caminho com o conhecimento e a sabedoria. Assim formamos um todo nervoso, chamado humanidade, que, no Ocidente e no Oriente, duas metades, congrega-se numa buliçosa feira global.

Cabos submarinos, qual nervos a cruzar visceras e membros e sinais de satélites, que pululam na atmosfera como burburinho de pensamentos, chamam à ação cada célula, cada órgão, cada sistema, em cada um de nós.

Pensamentos, planos, devaneios, anseios, temores, prazeres. Um cérebro vivaz, de um ser que tem pressa, que tem tanto para fazer, pois sabe o quanto tem para realizar. E que, para isso, tem que sobreviver e preservar a vida, globalmente.

Elson de Araújo Montagno é médico neurocirurgião, doutor em Medicina pela Universidade Livre de Berlim, ex-professor visitante da Universidade de Harvard e ex-professor da faculdade de Ciências Mécias da Unicamp, Brasil. Email: montagno@internetional.com.br

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