Dra. Silvia Helena
Cardoso

Década do Cérebro: O Fim de Um Começo

Vivemos os anos finais da"Década do Cérebro", assim proclamada pelo President Bush no congresso dos EUA no início dos anos 90, para enfatizar o potencial de cientistas em fazer descobertas importantes relacionadas ao funcionamento do cérebro.

Neste período, as entidades governamentais americanas têm dedicado alta taxa orçamentária ao estudo do sistema nervoso; as instituições de ensino, por sua vez, pagam menos impostos por financiar esta investigação, e os órgãos de fomento à pesquisa conferem grande credibilidade e aprovação àqueles pesquisadores que se propõem a investigar os processos neurais que poderão contribuir para o entendimento da atividade do cérebro e da mente investigados através método científico.

A pesquisa e o interesse em neurociências tem crescido em resposta à necessidade de, não somente entender os processos neuropsicobiológicos normais, mas também ajudar àqueles que sofrem de distúrbios neurológicos. A necessidade para o estudo continuado do cérebro é convincente: centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo são afetadas a cada ano, por distúrbios cerebrais extendendo-se, desde doenças neurogenéticas até distúrbios degenerativos tais como Doença de Alzheimer, bem como isquemia cerebral hemorrágica (derrame), esquizofrenia, autismo, déficits da fala, audição, abuso de drogas, epilepsia e outros distúrbios ameaçadores da vida.

Para tratar tais desordens será necessário ter um conhecimento geral de todo o sistema nervoso, entendendo as estruturas nervosas e os mecanismos bio-elétroquímicos expressos pelos diferentes tipos de neurônios. Nós devemos considerar como as células nervosas trabalham, como elas são organizadas em redes, como se comunicam umas com as outras, como as conecções entre neurônios mudam com a experiência.

Avanços notáveis têm sido feitos. Correlações intrigantes têm emergido entre os atributos mentais e os padrões de impulsos nervosos. O progresso tecnológico em muitas áreas tem contribuído para um avanço impressionante no estudo e entendimento das funções cerebrais.

Neurofisiologistas e Neurobiologistas, por meio do uso de eletrodos, amplificadores, e osciloscópios, têm medido a atividade elétrica do cérebro e sua correlação com processos mentais; o eletroencefalógrafo também mostra atividade elétrica em diferentes partes do cérebro durante diferentes estados comportamentais, permitindo medidas de ondas cerebrais do escalpo (pele da cabeça). Através do estudo sobre como as células do cérebro e as substâncias químicas se desenvolvem, interagem e se comunicam com o resto do corpo, eles também estão desenvolvendo tratamentos para pessoas incapacitadas por injúria cerebral, distúrbios depressivos e crises epilépticas;

Neuroanatomistas estão usando técnicas de traçamento e microscópios sofisticados para traçar conexões no cérebro;

Neurofarmacologistas estão mapeando a circuitaria bioquímica do cérebro, a qual pode ajudar a produzir drogas mais efetivas para aliviar o sofrimento daqueles que portam doenças como Alzheimer ou Parkinson. A pesquisa pode também promover um grande impulso na guerra contra as drogas. Alguns estudos têm fornecido uma melhor visão sobre como as pessoas se tornam viciadas em drogas e como as drogas afetam o cérebro. Estes estudos também podem ajudar a produzir tratamentos efetivos da dependência química e nos ajudar a entender e prevenir danos em fetos de mulheres grávidas, alcoólicas e viciadas em drogas. Com a Microdiálise, uma técnica farmacológica que mede o nível de substâncias liberadas pelo tecido cerebral durante o seu funcionamento, é possível monitorar qual neurotransmissor está atuando em determinada área do cérebro, em vários tipos de situações. Achados com estas técnicas também podem ajudar no tratamento das doenças, afinal, as drogas aliviadores de distúrbios nervosos geralmente funcionam no sentido de aumentarem ou diminuirem a concentração de neurotransmissores;

Biologistas Moleculares têm explorado o material genético de neurônios, em busca de pistas sobre a estrutura molecular do cérebro. Um avanço notável na genética molecular mostra uma grande promessa na geração de metodologias para tratar e prevenir doenças tais como a Doença de Huntington e distrofias musculares. A Engenharia Genética, uma metodologia usada para modificar a sequência de genes e de DNA de seres vivos a fim de produzir artificialmente novas características e funções tais como proteínas, enzimas, crescimentos, etc, tem ajudado a codificar genes responsáveis pela produção de certos neurotransmissores, alguns deles deficientes em alguns distúrbios, tais como nas doenças degenerativas;

Comportamentalistas procuram a origem das emoções, aprendizagem e memória, pensamento e consciência;
Psiquiatras e Psicólogos estão realizando cada vez mais, descobertas em modos de diagnósticos e doenças mentais com base nas novas tecnologias;
Neurocirurgiões têm dedicado todas as suas habilidades para reparar danos do cérebro;
Psiconeuroimunologistas estão tentando entender a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, por estudarem a conexão entre o sistema nervoso central e sistemas imunes.
Neuroscientistas Computacionais têm criado modelos realísticos a fim de simular o cérebro. Modelos Computacionais que simulam as propriedades do cérebro têm contribuído para o entendimento de como estas propriedades emergem.
Neurologistas, utilizando novas técnicas de Imagem Assistidas por Computador, estão vizualizando a estrutura do cérebro vivo e aplicando este conhecimento em vários distúrbios neurológicos que afetam a humanidade.

A década contemplada para os estudos do cérebro está proxima do fim. Entretanto, nós temos ainda muito que aprender. Compreendemos que o desenvolvimento de técnicas químicas e eletrônicas que têm permitido explorar o cérebro em ínfimas minúcias é extraordinário, mas ele apenas se constitue em um começo do entendimento sobre como os processos neurais se integram com os estados mentais. A Década do Cérebro é contínua com alguns séculos de árdua investigação sobre a relação cérebro-mente. René Descartes, há mais de três séculos, levantou uma questão que ainda continua palpitante no final desta década: Como a mente não-material influencia o cérebro e vice-versa?

Silvia Helena Cardoso
Editora-chefe