ALCOOLISMO
 

 

Etiologia do alcoolismo

Estudos com alcoólatras mostram que alguns deles começam a beber em função de pressões sociais ou como resposta a situações estressantes em suas vidas. Uma vez iniciado o comportamento de consumo de bebidas, a recompensa psicofisiológica induzida pelo álcool, por condicionamento, tende a fixar esta forma de se comportar. Outros, ao contrário, parecem ser levados por uma compulsão interna ao uso e abuso de bebidas alcoólicas.

 

Box 1 Tipos de alcoolismo
 
Tipo I Ocorre tanto em homens quanto em mulheres; requer influências   

genéticas e ambientais; tem início tardio na vida; apresenta maior   

possibilidade de recuperação

Tipo II Ocorre principalmente em homens; origem predominantemente   

genética; começa na adolescência ou início da idade adulta; está   

intimamente associado com comportamento criminoso; apresenta   

menor probabilidade de recuperação

Cloninger, Sigvardson & Bohman – em Alcohol Health and Research World –Vol. 20, no. 1, 1996

 

Parece que o mesmo ocorreria em relação a outras substâncias psicoativas.

Distinguem-se, pois, fatores inatos, genéticos, e fatores aprendidos, adquiridos, no abuso de drogas.

A influência de fatores genéticos sobre o alcoolismo já fora pressentida na Antiguidade. Plutarco mencionava que "os bêbados geram bêbados" . Em seu livro "Alcohol and the addictive brain", Kenneth Blum sumariza os resultados de décadas de estudos sobre genética x alcoolismo ressaltando que:

Os alcoólatras e seus descendentes apresentam diversas anormalidades neurobioquímicas, tais como:   Box 2. Sistema de recompensa ao álcool  
O sistema de recompensa ao álcool, além dos neurônios dopaminérgicos da área tegmental ventral e núcleo accumbens, inclui também estruturas que usam o ácido gama-aminobutírico   

(GABA) como transmissor, tais como o córtex, cerebelo, hipocampo, colículos superiores e inferiores e a amígdala.

The Brain’s Drug Reward System – NIDA Notes, vol. 11, no. 4, Setembro/Outubro, 1996

 

Neurofarmacologia do álcool

O álcool é um depressor de muitas ações no Sistema Nervoso Central, e esta depressão é dose-dependente. Apesar de ser consumido especialmente pela sua ação estimulante, esta é apenas aparente e ocorre com doses moderadas, resultando da depressão de mecanismos controladores inibitórios. O córtex, que tem um papel integrador, sob o efeito do álcool é liberado desta função, resultando em pensamento desorganizado e confuso, bem como interrupção adequada do controle motor.

O etanol se difunde pelos lipídios, alterando a fluidez e a função das proteinas. Altas concentrações de álcool podem diminuir as funções da bomba Na+ K+/ATPase no transporte de elétrons. Este efeito compromete a condução elétrica.

Só recentemente foi possível entender o mecanismo neurobiológico responsável por diversas manifestações clínicas do alcoolismo. O etanol afeta diversos neurotransmissores no cerébro, entre eles o neurotransmissor inibitório, o ácido gama-aminobutirico (GABA).

A interação entre etanol e o receptor para o GABA se evidencia em estudos que demonstram haver redução de sintomas da síndrome de abstinência alcoólica através do uso de substâncias que aumentam a atividade do GABA, como os inibidores de sua recaptação e os benzodiazepínicos, mostrando a possibilidade do sistema GABAérgico ter efeito na fisiopatologia do alcoolismo humano.

O etanol potencializa as ações de receptor GABA através de um mecanismo que é independente do receptor benzodiazepínico.

As vias neuronais que utilizam GABA desempenham importante ação inibitória sobre as demais vias nervosas. O receptor para o GABA encontra-se associado ao canal de cloro e ao receptor de benzodiazepínicos, formando um complexo funcional. Quando o GABA se acopla ao seu receptor, promove o aumento na frequência de abertura dos canais de cloro, permitindo assim a passagem de maior quantidade do íon para o meio intracelular, tornando-se ainda mais negativo e promovendo, assim, hiperpolarização neuronal.

Baixas concentrações alcoólicas promoveriam facilitação da inibição GABAérgica no córtex cerebral e na medula espinhal.

Os efeitos à exposição crônica ao etanol poderiam explicar alguns dos fenômenos observados no alcoolismo, como a tolerância e a dependência.

A rápida tolerância ao aumento do influxo de cloro mediado pelo GABA inicia-se já nas primeiras horas e estabelece-se durante o uso crônico do álcool.

O álcool seletivamente altera a ação sináptica do glutamato no cérebro. O sistema glutamatérgico, que utiliza glutamato como neurotransmissor, e que é uma das principais vias excitatórias do sistema nervoso central, também parece desempenhar papel relevante nas alterações nervosas promovidas pelo etanol. O glutamato é o maior neurotransmissor excitatório no cérebro, com cerca de 40% de todas as sinápses glutaminergicas.

As ações pós-sinápticas do glutamato no sistema nervoso central são mediadas por dois tipos de receptores: Um tipo é o receptor inotrópico que são os canais ionicos que causam despolarização neuronal. O 2o tipo de receptor glutamato é o metabotrópico ( visto que suas respostas necessitam de passos metabólicos de sinalização celular), enquanto as ações intracelulares são mediadas pela proteína G.

Um dos receptores glutamatos inotrópicos tem duas famílias separadamente identificadas tanto nas características farmacológicas, biofísicas e moleculares, conhecidas como o receptor NMDA (n-metil-D-aspartato), voltagem dependente, que sustenta as correntes associado a canais de ions permeáveis ao cálcio ao sódio e ao potássio e a segunda família de receptores inotropicos glutamato, o receptor AMPA/Ka (agonista preferencial é a a -amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol propiato).

O glutamato participa da plasticidade sináptica e potencialização longo-tempo (LTP) parecendo ter um papel critico na memória e na cognição.

O efeito eletrofisiológico predominante do etanol é reduzir a neurotransmissão glutaminergica excitatória. Observou-se que baixas concentrações do etanol são capazes de inibir a ação estimulante mediada pelo NMDA sobre células hipocampais em cultura.

O etanol inibe a corrente do receptor NMDA em concentração associadas com a intoxicação em vivo.

Estes achados poderiam também participar da gênese de dependência física ao álcool, através de processo inverso ao observado pelo GABA, ou seja, uma vez retirado o etanol, as vias glutaminérgicas produzem superexcitação do SNC , gerando convulsões, ansiedade e delirium.

O influxo de ions cálcio para a célula desempenha importante função na liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica como também, na atividade de segundo mensageiro celular. O etanol, em concentrações de 25mM parece inibir a passagem de cálcio através dos canais iônicos, diminuindo a liberação de neurotransmissores.

Este também poderia ser um dos mecanismos de produção da dependência e da tolerância, uma vez que retirada o álcool, esses canais ionicos aumentariam o fluxo de cálcio e, como consequencia a neurotransmissão, gerando os sinais e sintomas da síndrome de abstinência.

Tratamento

O uso de substâncias modificadoras da transmissão opióide, como a naltrexona, ou da GABAérgica/glutamatérgica, como o acamprosato, por exemplo, favorecem a manutenção da abstinência em pacientes alcoólatras. A naltrexona abole a recompensa provocada pela ingestão do álcool e o acamprosato reduz o desejo de beber.

 

 

Bibliografia:

 

Alcoholism: Can your genes drive you to drink? – Crime Times Vol. 3, no. 1, 1997, pages 1 & 3 & 7 – http://www.crime.times.org/

Nestler, E.J. Molecular neurobiology of drug addiction. Neuropsychopharmacology, 11,77-87, 1994

Tsai,G. &Coyle J. The role of glutamatergic neurotransmission in the pathophysiology of alcoholism. Annu.Ver.Med. 49:173-84,1998

Uhi,G; Vandenbergh,D.J.; Rodrigues,A L; Miner,L and Takahashi,N. Dopaminergic Genes and Substance Abuse. Advances in Pharmacology,vol 42, 1024-33,1998