A Descoberta das Drogas para Tratamento de Doenças Mentais

Renato M.E. Sabbatini, PhD

Introdução

As Fases Histórias da Psicofarmacologia

A Revolução Científica da Psicofarmacologia

Drogas e Neurotransmissores

A "Esvaziadora de Hospícios"

Combatendo a Ansiedade

Vencendo a Depressão

Conclusões e o Futuro

Para Saber Mais

O Autor

Introdução

A descoberta que existem substâncias psicoativas em plantas e animais parece ter ocorrido desde os albores do surgimento da espécie humana. O Homo sapiens e seus predecessores, os hominídeos, aprenderam desde muito cedo a explorar a Natureza em busca dessas substâncias. Foram achadas evidências, por exemplo, de que o Homem de Neandertal utilizava plantas para alguns tipos de doenças. Entre os pertences achados junto ao caçador neolítico apelidado de Ötzi, descoberto em 1991 em surpreendente estado de conservação em uma geleira austríaca, mais de 5.000 anos depois de sua morte, estava uma pequena bolsa de couro com fungos com propriedades medicinais.

A experimentação empírica com os elementos do seu ambiente rendeu a praticamente todos os povos primitivos um acervo considerável de substância psicoativas, que passaram a ser usadas para diversos fins. Entre o povo amazônico Kraô, por exemplo, pesquisadores brasileiros identificaram cerca de 400 plantas de uso medicinal, das quais uma grande parte (138), parece ter alguma ação sobre o sistema nervoso. O motivo para tão surpreendente proporção pode ser o fato de que as ações destes fitoquímicos no comportamento pode ser observada de forma muito mais fácil e rápida do que em outros sistemas orgânicos, estabelecendo-se assim um nexo causal.

Dependendo das plantas nativas de cada região, diferentes etnias descobriram as plantas psicoativas mais conhecidas da humanidade, contendo princípios ativos como alcalóides, álcoois, glicosídeos, etc. (clique no nome da substância para ver sua estrutura química):

cafeína   Estimulante presente no fruto do cafeeiro (Coffea arabica), proveniente do Oriente Médio. Também está presente em várias outras plantas psicoativas, como o chá (Camellia sinensis), a noz de cola (Cola acuminata), o guaraná (Paulinia cupana) e o cacau (Theobroma cacao). Usado há séculos como energizante, afrodisíaco e em casos de sonolência excessiva, foi introduzido na Europa por volta de 1300.
nicotina Estimulante presente nas folhas do tabaco (Nicotinensis tabacum), proveniente do Novo Mundo, e introduzida na Europa e Oriente por volta de 1500.
cocaina   Euforiante, estimulante e anestésico local presente nas folhas da coca (Erythroxylus coca), proveniente dos altiplanos da América do Sul.
canabidiol
canabinol
  Euforiante presente nas folhas da maconha (Cannabis sativa), proveniente da China e da India. Usado também como calmante. Tem vários componentes ativos, como o canabidiol, o canabinol e o tetrahidrocanabinol (conhecido como THC).
reserpina Anti-hipertensivo presente na raíz da Rauwolfia serpentina, e que foi usada brevemente na década dos 50s como um antipsicótico. Tem este nome por ter sido descrita pela primeira vez pelo botânico alemão Leonard Rauwolf, no século XVIII.
hiosciamina
escopolamina
  Presentes na mandrágora (Mandragora officinalis), encontrada principalmente na Ásia e no estramônio (Datura stramonium). Os antigos atribuiam propriedades máginas a esta planta, pois suas raízes assumem aspecto antropomórfico. Também foram utilizados mais modernamente para tratamento de demências. Seus agentes ativos são todos do grupo das piperidinas, com estrutura muito semelhante à da atropina e da cocaína, também do mesmo grupo.
atropina   Anticolinérgico presente nas flores da beladona (Atropa belladona), proveniente da Europa, e que era utilizado por mulheres que queriam ficar mais bonitas, dilatando as pupilas (belladona significa "bela mulher", em italiano). Em altas doses provoca sintomas severos no sistema nervoso central.
efedrina   Estimulante, vaso- e broncodilatador presente nas folhas da Ephedra sinica, proviente da China.
mescalina   Psicotomimético presente no cacto denominado peiote (Lophophora williamsii), ou mescal, usado em rituais mágicos e religiosos pelos povos mexicanos. Era considerado tão importante que os aztecas o denominavam teo-nancacyl, que significa "Carne de Deus".
psilocibina   Psicotomimético presente no cogumelo Psilocybe semilanceata, também oriundo do México, onde era usado pelos sacerdotes para evocar alucinações. Tanto a mescalina, quanto a psilocibina e o ácido lisérgico (LSD), pertencem a família química das indoleaminas.
etanol   O mais prevalente dos agentes neuro- e psicoativos com potencial aditivo, consumido por praticamente todos os povos, muitos dos quais o descobriram independentemente a partir da fermentação de raízes, frutos e folhas ricos em açucares ou amido, tais como a uva (vinho e grapa), a cevada (cerveja), o malte (uísque), a cana-de-açucar (cachaça), a batata (aguardente, aquavit, vodka, etc.), o arroz (saquê), o agave (tequila), a mandioca (cauim), o gin (juníper) etc., e da sua destilação. Somente na África existem 46 bebidas alcoólicas com nomes diferentes, feitas com banana, sorgo, painço, mel, milho, bambu, coco de palmeira... Com seu potencial inebriante, ansiolítico, analgésico e anestésico, foi usado por muito séculos na medicina popular e científica, antes da disponibilidade do éter, aspirina, codeína, morfina e barbitúricos.
morfina O ópio, extraído da papoula (Papaver somniferum), e que contém várias substâncias extremamente ativas, como a papaverina, a morfina (isolada quimicamente em 1803, por Sertürner e sintetizada pela primeira em 1952), a codeína (isolada por Pierre Robiquet em 1832), e a heroína (modificação sintética da molécula da morfina, em 1874). São todos do mesmo grupo de alcalóides (isoquinolinas).

Porque as plantas apresentam substâncias com efeitos neuro- e psicoativos no ser humano?

Uma das razões é que todas essas toxinas (e existem centenas delas) foram desenvolvidas pela seleção natural para proteger as plantas contra parasitas e predadores, como insetos e outros animais que tentam se alimentar delas. E uma das maneiras de matar rapidamente, ou provocar uma reação aversiva poderosa, é afetar o seu sistema nervoso! Assim, não devemos nos surpreender, por exemplo, que muitas plantas tenham "descoberto" (ao acaso) a atropina, que é uma molécula parecida com a acetilcolina, um neurotransmissor existente no sistema nervoso de praticamente todos os animais, e que a bloqueia, causando a morte de pequenos animais, como insetos que sugam a seiva dessas plantas. Ou ainda , que se encontrem receptores especificos para a morfina, nos neurônios de mamíferos!

 

As Fases Históricas da Psicofarmacologia

A história da descoberta e utilização das drogas no tratamento das doenças mentais (ramo da ciência médica que atualmente é denominada de neuropsicofarmacologia, ou simplesmente psicofarmacologia), pode ser dividida em quatro fases:

A fase mágico-religiosa é tão antiga quanto a humanidade, e surgiu simultaneamente com a religião e a prática organizada da medicina e da religião nas tribos, através dos shamans, pajés, e outros líderes espirituais que acumulavam freqüentemente as duas funções. Isso ocorreu pois a mente primitiva atribuia boa parte do que desconhecia à ação dos espíritos e deuses que eles acreditavam habitar e possuir todo o mundo material (animismo). Assim, as doenças, e mais especificamente, as doenças mentais, eram atribuidas à possessão por espíritos malévolos, que deveriam ser expulsos (exorcizados) para que a saúde retornasse. As doenças mentais, pelo fato de alterarem enormemente e de forma inexplicável o comportamento de um membro da tribo afetado por ela, eram as mais identificadas com possessões (isso ainda acontece até hoje, e mesmo no mundo ocidental racional muitas supostas "bruxas", na realidade doentes mentais, foram queimadas na fogueira por isso, pela Inquisição).

Logo os shamans descobriram plantas que modificavam o comportamento, e que podiam ser usadas em rituais de comunhão com os espíritos e deuses, tornando-se sagradas. Assim, por exemplo, a psilocibina e a mescalina eram usadas por sacerdotes dos povos que habitavam o México antigo. Por serem psicotomiméticas, ou seja, promoverem alterações sensoriais e comportamentais que imitam as psicoses, tornaram-se objeto de culto e também como drogas terapêuticas. Talvez por causarem em grandes doses o mesmo resultado que a psicose, os curandeiros acreditassem que pequenas doses a curasse. Este raciocínio não é surpreendente, pois muitos psiquiatras do século XX também pensaram o mesmo, ao propor o uso do LSD no tratamento de psicoses.

Quase que ao mesmo tempo, surgiu o empirismo não-científico. Praticamente todos os povos conhecidos utilizam ervas e plantas presentes em seu meio ambiente para algum tipo de tratamento efetivo de doenças. Por exemplo, povos neolíticos de aglomerados palustres cultivavam diversas plantas psicoativas, como a papoula, o estramônio, a mandrágora, e usavam fungos e cogumelos com diversas propriedades medicinais. Na pré-história, essa atividade de coleta e uso de medicamentos herbais simples era desempenhada pelas mulheres, sendo de natureza mais prática e direta, enquanto era de responsabilidade dos homens o uso mágico-religioso dos princípios ativos das plantas. Ao surgir a escrita, no Oriente Médio, Egito, Índia e China, por volta de 2.000 AC, tomamos conhecimento da imensa variedade de princípios animais e vegetais usados na medicina da época, como no papiro de Ebers. A especialização dos papéis sociais nas sociedades urbanas complexas da Mesopotâmia e outros locais logo gerou, por sua vez, uma divisão de papéis do sacerdote e do curandeiro.

Como funciona o empirismo na descoberta e uso de medicamentos ativos? Por não seguir princípios da investigação científica objetiva, que somente surgiu na Europa, nos séculos XVII e XVIII (e, na medicina, apenas no século XIX), o processo empírico é imperfeito, e seu sucesso depende de vários fatores, como efeito observável imediato e de grande magnitude. A associação causal é inferida a partir de uma associação temporal (a chamada falácia do "post hoc, ergo propter hoc", que em latim significa: "se depois disso, então é devido a isso").

Trata-se, portanto, de um simples comportamento condicionado operante, que pode ocorrer até em animais não racionais, como no exemplo dado por aves, cães, gatos, macacos, elefantes, bois, etc. que selecionam plantas medicinais para ingestão quanto apresentam algum problema de saúde. Ao melhorarem dos sintomas, voltam a consumir a planta. É como um rato aprendendo a operar uma alavanca para saciar a sede, como descobriu o famoso psicólogo americano, B.F. Skinner. Existem casos registrados de muitas espécies de animais (como os macacos e elefantes que se viciam no consumo dos frutos fermentados da marula, e que desenvolvem alcoolismo!) que consomem espontâneamente frutos e folhas de espécies capazes de alterar o comportamento.

Assim, a medicina primitiva logo descobriu que o ópio e o álcool funcionavam bem na analgesia, que a coca era ótima para a fadiga mental e fisica, que a rauwolfia podia ser misturada com álcool para tranquilizar insanos com agitação motora, e assim por diante.

A abordagem empírica, portanto, não precisa saber as causas (etiologia) da doença, mas apenas avaliar sua efetividade. O seu problema principal, entretanto, reside no fato que se a associação temporal entre tratamento e resultado for fraca (por exemplo, muito próxima à do efeito placebo), ou muito retardada, começa a ocorrer um comportamento condicionado falso, gerando o que chamamos de comportamento supersticioso. Se associarmos isso à autoridade conferida aos médicos e curandeiros, o resultado é que começam a ser usados medicamentos totalmente sem efeito, em misturas cada vez mais absurdas e mirabolantes.

Essa fase durou muito tempo, e apareceu em todas as culturas urbanas, desde a China (medicina tradicional chinesa, que até hoje prescreve coisas inúteis e ineficientes, como bile de urso, pó de chifre de rinoceronte, etc.), até a medicina ocidental desde o tempo dos gregos e romanos. O papiro de Ebers e os tabletes assírios e sumérios estão cheios de receitas absurdas como essa. Com o surgimento de teorias sobre o funcionamento do organismo, como a dos quatro humores, dos gregos, a prática da medicina foi se tornando cada vez mais complexa e baseada não mais apenas no empirismo simples de associação temporal, mas também na aplicação dessas teorias. Por exemplo, drogas piréticas (que causavam febre), eram consideradas boas pelos gregos para o tratamento de derrames cerebrais, pois eles achavam que os sintomas do ataque eram devido ao "resfriamento da bile negra no cérebro" (!).

As teorias e conceitos gregos foram aceitos pelos médicos romanos, como Galeno, que acrescentaram mais elementos à teoria, como a astrologia e mais produtos animais e vegetais à farmácia da época. Entre outras coisas, Galeno recomendava beber o sangue de gladiadores mortos em combate, para tratar a epilepsia. Até mesmo na Renascença e no Iluminismo essa distorção inevitável do empirismo continuou a produzir "curas" ineficientes e absurdas. O famoso médico renascentista conhecido como Paracelso, por exemplo, recomendava como tratamento para a epilepsia uma mistura de erva-de-passarinho, pó de osso do crânio de um condenado, e folhas de peônia colhidas apenas na lua minguante (pode-se imaginar, apenas, como era uma farmácia de manipulação da época...). A "teoria" era que a epilepsia esfriava e umedecia o cérebro, e que a peônia, conhecida pela secura de suas folhas, contrabalançaria isso. A este tratamento se acrescentava, é claro, sangrias com lancetas ou sanguessugas, eméticos (vomitórios) e purgantes violentos, para "limpar" o organismo do "excesso" de humores nocivos.

À falta de alternativas, a população seguia cegamente a autoridade dos médicos, com o resultado de uma impressionante morbidade e mortalidade, talvez maiores do que se não fosse realizado nenhum tratamento. Por mais absurdo que tudo isso possa parecer, esses conceitos médico-terapêuticos perduraram por muitos e muitos séculos e continuam a ser praticados no século XXI, em uma proporção surpreendente da humanidade, e até mesmo em civilizações modernas. A famosa homeopatia, por exemplo, é baseada em conceitos de causação de doenças datados de 1790, pelo médico alemão Samuel Hahnemann (1755-1843), que acreditava que a maioria das doenças é causada por um princípio chamado psoros (comichão, ou coceira), que as drogas são tão mais efetivas quanto mais diluidas forem (até não existir mais nenhuma molécula do principio ativo diluido, segundo a Lei de Avogadro), e que a cura se processa quando o agente terapêutico tem uma ação no mesmo sentido do sintoma ("similia similibus curantur"). Se o leitor achou absurdo, por exemplo, tratar doenças com bile de urso (na medicina tradicional chinesa), saiba que o tratamento da gripe proposto pela homeopatia é um extrato de fígado de ganso diluido 200 vezes, pois os gansos têm uma doença semelhante à influenza. Apesar de tudo isso, a homeopatia têm mais de 10 mil médicos praticantes no Brasil, e milhões de pacientes que a seguem, e tem muita gente que jura que funciona. Essa é a força do empirismo não científico.

Em muitas outras áreas da medicina, no entanto, o empirismo não-científico teve resultados muito benéficos para a humanidade. No tratamento das dores, e até nas anestesias primitivas, por exemplo, conhecia-se desde os tempos medievais a "esponja soporífera", que continha uma mistura de láudano (extrato alcoólico do ópio), cicuta, mandrágora, estramônio, hera, e outras plantas.



"Cadeira Tranquilizante", desenvolvida pelo Dr. Benjamin Rush em 1810, e usada para conter dementes agitados.

Bedlam, um asilo de lunáticos da Inglaterra, William Hogarth, 1735.

No entanto, tirando o resultado calmante e hipnótico de algumas agentes, como o láudano e o álcool, o resultado do empirismo não-científico no tratamento das doenças mentais foi praticamente nulo. As doenças mentais continuaram a ser encaradas como falha de caráter, castigo de Deus, possessão demoníaca, etc., e os dementes encerrados em horrendos hospicios, acorrentados nús à parede, imobilizados por camisas-de-sete-varas, imersos em banheiras com água gelada, etc. até perto do século XIX. Foram, portanto, séculos e séculos de sofrimento para quem tinha o azar de ser acometido de uma doença mental, o que é garantido acontecer com uma parcela significativa da humanidade, independentemente de qualquer outra coisa, devido à enorme complexidade da máquina mental. Como todo mecanismo muito complexo e construido praticamente pela evolução do acaso e da necessidade, dá muito defeito. Essa associação entre demência e sofrimento é encontrada em numerosos pontos da literatura e até do idioma. Por exemplo, "bedlam", em inglês, é sinônimo de confusão e agitação insana, e vem do nome do famoso hospital de lunáticos na cidade de Bedlam, Inglaterra.

No século XIX, surgiram quase que simultaneamente três desenvolvimentos importantes que inauguraram, gradativamente, a era da psiquiatria baseada no empirismo científico, como veremos a seguir:

A Revolução Científica na Psicofarmacologia

A história da revolução farmacoterapêutica começou com a destruição do dogma do vitalismo, vigente até o começo do século XIX. Defendido por muitos cientistas, como o fisiologista Johannes H. Müller, o vitalismo afirmava que a física e a química dos organismos vivos tinham alguma coisa a mais do que a do mundo inorgânico, um "princípio vital", que permeava tudo, e que impediria a possibilidade da síntese direta de moléculas orgânicas. No entanto, Friedrich Wöhler (1800-1882), um químico alemão, surpreendeu o mundo científico em 1828, ao sintetizar sem dificuldades a uréia (um isômero do cianato de amônia), a partir de moléculas inorgânicas. A uréia (Harnstoff, em alemão) é uma substância orgânica, assim chamada pois está presente na urina. Logo, muitas outras moléculas orgânicas passaram a ser sintetizadas. Um avanço notável da química orgânica foi a descoberta em 1865 das estruturas cíclicas a partir do anel do benzeno, por Friedrich August Kekulé (1829-1896), uma vez que a totalidade das drogas sintéticas modernas para o tratamento de psicoses, manias, depressões, etc. é baseada em compostos deste tipo, denominado de aromáticos.

Friedrich Wöhler

Friedrich Kekulé

Justus von Liebig

Adolf von Baeyer

Os químicos, trabalhando em conjunto com os médicos e farmacêuticos, logo descobriram que muitas delas tinham ação farmacológica, e isso abriu o campo para uma nova e poderosa ciência, a química farmacêutica, e para uma nova classe de empreendimentos industriais, inaugurados pela empresa Bayer, na Alemanha, com a síntese, fabricação e e venda do primeiro analgésico sintético do mundo, o ácido acetil-salicílico, descoberto em 1897 pelo químico Felix Hoffmann, e comercializado com o nome comercial de Aspirin.

Em rápida seqüência, diversas substâncias neuro- e psicoativas foram sintetizadas pelos criativos químicos alemães:

Ácido barbitúrico

Ácido dietilbarbitúrico
(Barbital ou Veronal)

Fenobarbital
(Luminal)

Secobarbital
(Seconal)

Tiopentobarbital
(Pentotal)

Ao longo do século XIX, e até os anos 50s do século seguinte, o hidrato de cloral, os brometos, o paraldeido, a morfina e os barbitúricos, todos da classe dos narcóticos ou dos hipnótico-sedativos, foram praticamente as únicas drogas psicoativas efetivas disponíveis, e foram usados intensamente pelos sanatórios e pelos psiquiatras. O hidrato de cloral e o paraldeído foram muito usados para o tratamento das manias, também, devido ao efeito relaxante, assim como para a insônia, cefaléias, febres, epilepsia, e como ansiolíticos não específicos.

Outra droga, desta vez inorgânica foi o brometo de potássio. Ele foi muito popular por várias décadas, mas tinha a desvantagem de ser muito tóxico, e acabou sendo substituído como sedativo pelos barbituratos. Estes, no entanto, apesar da grande variedade (mais de 1.200 compostos), também apresentaram problemas de segurança e dependência. Como veremos, acabaram sendo substituidos pelos benzodiazepínicos, desenvolvidos apenas na década dos 50s.

O surgimento da moderna psiquiatria científica teve início na França e na Alemanha, com Jean Marie Charcot (1825-1893) e Emil Kraepelin (1856-1916), respectivamente. Kraepelin foi um gigante da psiquiatria, por sua abordagem médica e cientifica ao estudo das doenças mentais e de sua terapia. Ele identificou a esquizofrenia, a síndrome maníaca-depressiva, e foi o co-descobridor, juntamente com seu colega Alois Alzheimer, da doença que recebeu o seu nome, e que era denominada de demência senil, por ter uma maior prevalência em idosos. Kraepelin, em contraste, denominou a esquizofrenia de demência precoce (daementia precox, em latim). Kraepelin acreditava firmemente que o grupo de psicoses tinha como etiologia alguma alteração bioquímica ou hormonal cerebral, e que portanto fazia mais sentido tratá-las com medicamentos específicos. Ele iniciou, então um programa de investigação de várias drogas nas doenças mentais, tendo experimentado em seus pacientes a morfina, o álcool, o éter e o paraldeido.



Jean Marie Charcot demonstrando
um caso de histeria

Emil Kraepelin

Frederich Sertürner

A morfina, particularmente, revelou-se um potente medicamento, muito usado por décadas no começo da psiquiatria. Ela foi isolada do extrato da papoula (ópio), em 1803, por um jovem farmacêutico, Frederich Wilhelm Adam Sertürner (1783-1841), que a batizou com este nome em honra a Morfeu, o deus grego do sonho (segundo a mitologia, ele era filho de Hypnos, o deus do sono. Esta é a raiz grega do termo "hipnótico"). O isolamento do primeiro alcalóide psicoativo a partir de uma planta abriu o caminho para outros, como a cafeína, a cocaína, a codeína, a papaverina (estas duas últimas também presentes no ópio), e assim por diante. Com a invenção da seringa hipodérmica, em 1853, por Alexander Wood (1817-1884) e Charles Gabriel Pravaz (1791-1853), estas substâncias passaram a ser injetadas, ao invés de ingeridas, tornando-se com isso, potentes ferramentas da medicina. A seringa foi usada pela primeira vez, justamente, para injetar morfina no tratamento de dores agudas e crônicas.

Um problema que logo surgiu, pela exploração comercial mais ampla desses agentes, foi a drogadição em massa, pois todos os alcalóides psicoativos revelaram ter um potente efeito aditivo. No final do século XVII, o ópio, cultivado principalmente na Índia, começou a ser usado na China como uma droga de consumo. Comerciantes do mundo todo, mas principalmente os inglêses, montaram um próspero tráfico de ópio para a China, usando seus rápidos barcos a vela, e ajudando, assim, a equilibrar a balança externa do Império Britânico, seriamente afetada pelas importações de outra planta psicoativa, o chá. No começo do século XIX, a corte imperial chinesa, reconhecendo o enorme dano causado para o país por seus milhões de fumadores de ópio tentou, várias vezes banir o uso e o tráfico, mas foi ignorada pela soberana inglêsa, a Rainha Vitória. Assim, em 1839, o Imperador Qin confiscou 20.000 caixas de ópio e deteve alguns traficantes estrangeiros. Em resposta, a marinha inglesa atacou Cantão, dando início à primeira Guerra do Ópio. Os chineses, derrotados, foram forçados a abrir totalmente seu país para o odioso tráfico inglês, além de pagar uma grande indenização e ceder Hong-Kong ao Reino Unido. Houve ainda uma segunda Guerra do Ópio, em 1856, que derrotou novamente os chineses e levou à legalização da importação do ópio. Essas atrocidades somente cessaram quando o vício do ópio também invadiu a Europa, levando os ingleses a reconhecer sua loucura e fazerem um acordo com a China para proscrever o tráfico.



Adito ao ópio na China, Séc. XIX


Batalha naval entre China e Inglaterra na Primeira Guerra do Ópio

A fé dos médicos nos alcalóides psicoativos, entretanto, continuava grande, apesar dos riscos. A tal ponto, que um jovem médico neurologista vienense, Sigmund Freud, postulou em 1884 que uma droga recém extraída da planta da coca, a cocaína, seria uma droga milagrosa para a psiquiatria, com muitas aplicações (estimulante, euforiante, afrodisíaco, anestésico local, etc.). Paolo Mantegazza (1831-1910), um médico sanitarista italiano, havia descrito em 1859 os efeitos do da planta da coca sobre o comportamento humano, propondo sua utilização no tratamento da fadiga, da depressão e da impotência. Freud leu seu livro (Sulle Virtù Igieniche e Medicinali della Coca e sugli Alimenti nervosi in Generale) e ficou tão entusiasmado que ele mesmo passou a tomar pequenas doses diárias como "energizante intelectual", e apoiou publicamente que as empresas farmacêuticas Parke-Davies e Merck fabricassem a cocaína e a vendessem como medicamento. Escreveu vários artigos, também, propondo, inclusive (ingenuamente, ao que se descobriu depois), que a cocaína poderia ser usada como um substituto da morfina para o controle da dor, sem o potencial aditivo desta. Isso resultou em uma tragédia pessoal, que o atormentou por toda a vida. Na tentativa de ajudar seu amigo, um patologista e fisiologista de Viena chamado Ernst von Fleischl-Marxow (1846-1891), conhecido por ser um dos descobridores do eletroencefalograma, Freud recomendou que ele usasse cocaína para tratar sua adição à morfina, devida a uma lesão nos dedos, causada por uma infecção contraída durante uma autópsia. O resultado é que Fleischl-Marxow adquiriu dependência da cocaína, também, passando a usá-la em largas doses, e acabou morrendo de forma lenta e dolorosa. Freud, como se sabe, ficou muito famoso posteriormente como o pai da psicanálise.


Paolo Mantegazza


Sigmund Freud


Ernst von Fleischl-Marxow

Drogas e Neurotransmissores

A partir da descoberta, por Sir Henry Dale (1865-1968) e Otto Loewi (1873-1961), que a maioria das drogas de ação no sistema nervoso funcionava afetando os mecanismos de transmissão humoral nas sinapses, seja de forma agonística (potencializando) ou antagonística (bloqueando), começo a desenvolver-se a chamada fase científica da psicofarmacologia. A partir dos anos 1920s, esta ciência podia aliar os conhecimentos poderosos da química orgânica analítica e sintética, da farmacologia e da fisiologia, para buscar drogas cada vez mais específicas. A estes conhecimentos, posteriormente (anos 1970s) agregaram-se os da estereoquímica e da biologia molecular, que procurava conformações moleculares tridimensionais adequadas para determinados tipos de receptores de membrana, acelerando assim, enormente, a velocidade de descoberta de novos compostos.

Não escapou aos pesquisadores da farmacoquímica e da psicofarmacologia, por exemplo, que havia grande semelhança estrutural entre compostos como a morfina e a codeína, agentes naturalmente presentes no ópio. Através de transformações pequenas nas cadeias químicas destas substâncias, chegou-se a outros compostos, com ações diferentes e mais especificas, como a heroína, a naloxona, e a apomorfina, cada qual com seus efeitos altamente específicos, apesar da similaridade estrutural. Os farmacologistas convenceram-se, então, que drogas e receptores funcionam como uma espécie de chave e fechadura, e que havia uma enorme diversidade de substratos neuroquímicos no cérebro, para a ação das drogas. A retirada de apenas um hidrogênio à cadeia lateral da morfina produz a codeína, que é mais eficiente como analgésico, sem a euforização da morfina. Uma adição de um oxigênio a uma cadeia interna e a retirada de um hidrogênio de uma cadeia lateral da morfina produz a apomorfina, que tem ações completamente diferentes daquela. E assim por diante.

Codeína

Morfina

Naloxona

Apomorfina

A razão para essas similaridades de ação e de estrutura química, determinou-se posteriormente, é que muitos neurônios no cérebro apresentam receptores de membrana sináptica para essas substâncias. Assim, os cientistas americanos Candace Pert, Solomon H. Snyder e Hans Kosterlitz, de 1972 a 1974, descobriram os receptores opióides no cérebro.


Candace Pert


Solomon Snyder


Hans Kosterlitz

Em outros casos, as drogas agem nos neurotransmissores em sistemas neurais específicos, como é o caso dos barbituratos, que agem mimetizando e potencializando a ação do neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA), o principal neurotransmissor inibitório do SNC, especialmente nos sistemas de controle do sono. Em outros ainda, as drogas agem alterando as quantidades de neurotransmissores disponibilizados nas sinapses, através da inibição das vias metabólicas que destróem naturalmente o neurotransmissor após a sua ação.

As anfetaminas são um outro bom exemplo da similaridade entre neurotransmissores e drogas psicoativas. Elas são quimicamente similares à adrenalina e à noradrenalina, neurotransmissores excitatórios descobertos por Otto Loewi no começo do século XX. Sintetizada pela primeira vez em 1887, na Alemanha, a anfetamina revelou-se ser uma potente droga estimuladora do SNC em 1927, e passou a ser proposta para o tratamento de coisas tão diversas como esquizofrenia, epilepsia, alcoolismo, enxaqueca e trauma cranioencefálico. Com o nome comercial de benzedrina, entretanto, foi usada com sucesso no tratamento da narcolepsia (1935) e da desordem de hiperatividade e déficit de atenção (1937), bem como no controle da obesidade (inibidores de apetite). Formas mais potentes ampliaram seu uso, tais como a meta-anfetamina (nome comercial: Metredine), descoberta em 1919, no Japão, e a famosa Dexedrina (dextro-anfetamina). São as famosas "bolinhas", usadas e abusada por estudantes que querem ficar acordados a noite toda, aviadores, caminhoneiros e esportistas). Uma variante da metedrina, a MDMA (3,4-metileno-dioxi-meta-anfetamina), também conhecida por Ecstasy, tornou-se uma notória droga de abuso. Outra droga com estrutura similar às anfetaminas é a efedrina, usada como descongestionante e vasodilatador, mas que também tem efeitos sobre o SNC. Ela ocorre naturalmente na planta Ephedra sinica.

Adrenalina

Noradrenalina

Anfetamina (Benzedrina)



Efedrina


A "Esvaziadora de Hospícios"

Apesar de todos os progressos, no entanto, a primeira metade do século XX ficou praticamente sem nenhuma nova droga acrescentada ao arsenal da luta contra as doenças mentais. As doenças mentais graves, como a esquizofrenia, as demências, as manias e a depressão clínica, continuavam a fazer estragos, sem que os médicos pudessem fazer muita coisa a não ser sedar e confinar os pacientes. A psiquiatria parecia estar, lamentavelmente, muito mais atrasada com relação às terapias medicamentosas, do que as outras especialidades, que desde o começo do século XX vinham colecionando vitórias maravilhosas, como o salvarsan, as sulfas e os antibióticos, a insulina e outros hormônios, no tratamento de doenças específicas, em muitos casos levando a curas que seriam consideradas milagres divinos poucos anos antes de sua descoberta. Essa época ficou conhecida como o "período obscuro" da psiquiatria.

Em conseqüência, ocorreu o crescimento paralelo de dois poderosos movimentos terapêuticos: a psicoterapia, influenciada essencialmente pela psicanálise de Sigmund Freud, e a terapia física, a partir da descoberta de Julius Wagner-Jauregg que a febre malárica podia melhorar a demência, seguida pelas terapias de choque químico e elétrico de Manfred Sakel e Ugo Cerletti, e a psicocirurgia de Egas Moniz (lobotomia). Apesar da crueza e da relativa ineficácia destes métodos, a carência de métodos terapêuticos medicamentosos era tão aguda nessa época, que qualquer progresso era reconhecido com entusiasmo, a tal ponto que rendeu dois prêmios Nobel a seus descobridores.

Foi somente a partir da década dos 50s, que ocorreu uma súbita (em termos históricos) e revolucionária explosão de descobertas de novas drogas específicas para o tratamento de doenças mentais como a depressão, a ansiedade, as manias, as obsessões, a esquizofrenia e outras psicoses. A metodologia de síntese química de similares, em um interminável jogo de combinações e testes, e que tinha sido desenvolvida com os barbitúricos, no começo do século, revelou-se a ferramenta principal desse desenvolvimento espantosamente rápido. Em apenas uma década foram descobertos o lítio (em 1949), a reserpina (1954), as fenotiazinas (1954), os benzodiazepínicos (1956), os inibidores de MAO (1954), os tricíclicos (1957) e as buterofenonas (1959). Assim, foram estabelecidas as bases da moderna pesquisa clínica da psicofarmacologia, que perduram até a atualidade. A psiquiatria nunca mais seria a mesma depois dessa década. Foi o que convencionou chamar de "medicalização" da psiquiatria.

Antes desses medicamentos sintéticos terem sido descobertos já se conhecia a reserpina, um alcalóide natural tóxico, extraido da planta Rauwolfia serpentina. Conhecida há milênios pelos indianos como sendo eficiente contra psicoses, ela foi identificada apenas em 1952 como o seu princípio ativo, por Hugo Bein, na Suiça. A reserpina em altas doses provocava marcados efeitos psicológicos e era usado como um eficiente medicamento contra a hipertensão arterial. Já em 1931 apareceram os primeiros trabalhos sobre a efetividade da Rauwolfia no tratamento das manias, e em 1954, o psiquiatra americano Nathan Kline (que ficou famoso posteriormente pela descoberta do primeiro antidepressivo), relatou seu uso no tratamento de psicoses. A reserpina, no entanto, tinha fortes efeitos colaterais: embora tranquilizasse a agitação psicótica (posteriormente descobriu-se que seu efeito era mediado pela depleção de serotonina no cérebro), causava por este fato uma forte depressão, idéias suicidas, etc. Assim, foi logo abandonado, principalmente porque na mesma época surgiram outros medicamentos.

Reserpina


Henri Laborit


Pierre Deniker


Clorpromazina

A primeira grande revolução dessa "década miraculosa" da psiquiatria foi a clorpromazina, que pela sua inaudita eficácia no controle das psicoses, recebeu a alcunha de "esvaziadora de hospícios". A história de sua descoberta se deu assim: em 1952, um cirurgião francês, Henri Laborit, estava a procura de drogas que diminuissem o choque cirúrgico de seus pacientes (uma mistura que ele denominava de "coquetel lítico"). Ao utilizar um anti-histamínico da classe das fenotiazinas, desenvolvido por Paul Charpentier em 1950 no laboratório francês Rhône-Poulenc, denominado composto 4560 RP (Lagarctil) , ele notou que os pacientes deixavam de ficar ansiosos com a cirurgia, ficando notavelmente calmos, e até indiferentes (ataxaria), o que fez Laborit sugerir que ele poderia ser usado em doenças mentais. 

Dois psiquiatras franceses, chamados Pierre Deniker e Jean Delay, ao ouvirem falar da clorpromazina, testaram-na com seus pacientes mais agitados e violentos, em 1952. Os resultados foram espantosos: pacientes catatônicos voltaram a falar e a se relacionar socialmente, pacientes com agitação violenta voltavam a ter comportamento normal e puderam deixar de serem contidos. Notavelmente, também, pela primeira vez conseguia-se um medicamento capaz de eliminar as alucinações típicas da esquizofrenia. O efeito era tão impressionante que observadores da época a compararam com o tratamento em voga, chamando-a de uma "lobotomia química".

Em 1954, Deniker e seus colaboradores publicaram os resultados. A empresa americana Smith & Kline, que tinha comprado os direitos da clorpromazina da Rhône-Poulenc, para lançá-la como sedativo e anti-emético, resolveu testar a droga em instituições mentais, com a ajuda de Deniker, no mesmo ano. Os resultados considerados "miraculosos" logo foram divulgados na mídia, causando furor. Pela primeira vez na história da medicina, tinha sido descoberta uma droga realmente efetiva no tratamento das psicoses. A Food and Drugs Administration (FDA) americana aprovou a comercialização da droga, que passou a ser vendida com o nome comercial de Thorazine (no Brasil, com o nome comercial de Amplictil). Uma década depois, mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo tinham sido tratadas com a clorpromazina, e as vendas da Smith & Kline triplicaram. Apenas na França, o consumo da droga aumentou de 430 toneladas por ano em 1953, para 2,5 milhões de toneladas por ano em 1957! Quase que sozinha, a clorpromazina fez jus ao seu apelido: nos EUA, o número de pacientes mentais hospitalizados diminuiu 60% em duas décadas (de 559 mil em 1955, a 191 mil em 1975).

A clorpromazina foi a primeira de uma série de antipsicóticos que revolucionaram a psiquiatria. Logo em seguida vieram a flufenazina (Moditen, 1956), o haloperidol (Haldol, em 1958). A teoria predominante é que esses agentes, também chamados de neurolépticos ou tranquilizantes maiores, atuam ao nível dos receptores do neurotransmissor dopamina, no cérebro. Como a dopamina é muito importante, também, no controle do sistema motor extrapiramidal, principalmente ao nível dos gânglios basais, os primeiros neurolépticos, por serem ministrados em altas doses diárias (cerca de 800 mg/dia para a clorpromazina), afetavam extremamente este sistema, resultado em doenças degenerativas de distúrbio do movimento, com o uso contínuo (as chamadas discinesias). Assim, uma das metas principais para o desenvolvimento de novos neurolépticos foi a minimização desses efeitos colaterais, e a diminuição da dose antipsicótica efetiva. Surgiram então os chamados antipsicóticos ditos atípicos, como clozapina (Clozaril, 1965) a risperidona (Risperdal, 1992), a olanzapina (Zyprexa, 1997) e outros. Atualmente, nos neurolépticos de quarta geração, essa dose, é de 0,2 a 0,3 mg/dia. Os efeitos extrapiramidais severos praticamente desapareceram.

 Combatendo a Ansiedade

Paralelamente à descoberta dos primeiros antipsicóticos efetivos, o mundo da psicofarmacologia avançava em uma área que, graças aos estresses da vida moderna do pós-guerra, agregava cada vez mais pessoas ao universo da disfunção mental. Angústia, ansiedade e estresse afetam praticamente 100% da humanidade em algum momento ou outro, pois fazem parte do nosso elenco de respostas biológicas associadas ao medo (a palavra angústia tem sua origem em Angst, do alemão, que significa exatamente medo), e à reação de defesa ou fuga. Já o estresse (que vem do inglês stress, que significa tensão) é uma resposta fisiológica ou patológica, dependendo de sua intensidade, e teve seu mecanismo pesquisado pelo famoso médico canadense Hans Selye (1907-1982), na década dos 50s. Todas essas disfunções, quando se tornam crônicas e patológicas, são profundamente debilitantes para o seu portador. A esse universo das doenças da ansiedade, agregam-se outras, como as fobias (palavra que vem de fobos, em grego, que significa, novamente, medo) e à recém descoberta síndrome do pânico.

Para o tratamento da ansiedade, a humanidade usa, desde tempos imemoriais, o etanol, na forma das bebidas alcoólicas. Como medicamento, é ineficiente e tem, como se sabe, muitos efeitos colaterais agudos e crônicos sobre o sistema nervoso. O hidrato de cloral, um hipnótico-sedativo, também foi muito usado desde 1865 para tratar a ansiedade. Finalmente, a partir de 1903 começaram a ser usado os barbitúricos, apesar de não serem ansiolíticos específicos. Estes eram, praticamente os únicos medicamentos disponíveis para os médicos na primeira metade do século XX, até a descoberta, em 1954, da primeira "bala mágica" contra a ansiedade, o clordiazepóxido. Juntamente com a clorpromazina e a imipramina, formam o "trio" revolucionário da psicofarmacologia da década dos 50s, e que mudaram radicalmente a terapia das doenças mentais.



Leo Sternbach e o Valium (1963)


Clordiazepóxido (Librium)


Diazepam (Valium)

O clordiazepóxido pertence à família química dos benzodiazepínicos, e foi descoberto pelo químico polonês-americano Leo Sternbach (1908-), da empresa farmacêutica Hoffmann-La Roche, em 1957, que a lançou no mercado em 1960, com o nome comercial de Librium. Ele demonstrou ser o ansiolítico que há longo tempo se procurava para substituir os barbitúricos, pois, além de ser mais específico, tinha maior eficácia, maior inocuidade, menor grau de dependência e menos interações com outros fármacos. Em 1959, o mesmo Sternbach descobre uma nova benzodiazepina, o diazepam, que revelou-se ser até 10 vezes mais potente que o clorodiazepóxido e que passou a ser comercializado em 1963 com o nome comercial de Valium. Com certeza o leitor, mesmo sendo leigo, deve conhecer esses nomes, que se tornaram extremamente difundidos, receitados e muito populares. Foi um sucesso ainda maior do que todas as outras drogas juntas. Em 1978, por exemplo, foram vendidos 2.3 bilhões de tabletes de Valium, que tornou-se a droga mais vendida dos EUA ininterruptamente entre 1969 e 1982. O desenvolvimento de ansiolíticos benzodiazepínicos não parou por aí, no entanto, e cerca de 40 novos derivados foram acrescentados desde 1975.


Vencendo a Depressão

O primeiro medicamento especificamente ativo contra as chamadas "doenças afetivas" (como a depressão, a síndrome do pânico, a psicose maníaco-depressiva, etc), foi descoberta por acaso, como costuma acontecer freqüentemente na farmacologia.

O carbonato de lítio, um medicamento inorgânico específico para o tratamento dessas doenças tinha sido descrito pelo Dr. John E. Cade, um médico australiano, em 1949. Ele tratou com sucesso vários casos de depressão, mas o lítio começou a ser usado mais amplamente na clínica psiquiátrica apenas em 1957, pelo médico dinamarquês Morgen Schou. Ele só foi aprovado pela FDA na década dos 70s, devido à sua alta toxicidade (muitos pacientes morreram de intoxicação por lítio). Pesquisadores da University of Wisconsin descobriram posteriormente que o litio exerce seu efeito agindo sobre os receptores glutaminérgicos, mantendo-o em um nível saudável. Por isso, o lítio é chamado de "estabilizador afetivo".

Por volta de 1953, médicos observaram que uma droga chamada iproniazida (nome comercial: Marsilid), que era usada para tratar pessoas com tuberculose, tinha como efeito colateral uma diminuição do comportamento retraído e depressivo dos pacientes, e um aumento no que eles denominaram de "energia psíquica". Um neuropsiquiatra americano, Nathan Kline, propôs que a a iproniazida fosse utilizada para tratar depressão, e em 1957 ela começou a ser utilizada, com grande sucesso (por exemplo, 70% de um grupo de pacientes com depressão crônica e com cerca de 20 anos de hospitalização, mostraram uma melhora). Posteriormente, descobriu-se que esta substância aumentava no cérebro o nível das monoaminas (grupo de substâncias a qual pertence a adrenalina, a noradrenalina, a serotonina e a dopamina, importantes neurotransmissores cerebrais ativadores envolvidos nas emoções), especificamente atuando sobre uma enzima chamada monoamino-oxidase (MAO), que é responsável pela quebra enzimática de várias monoaminas cerebrais. Nas décadas seguintes, os psicofarmacólogos, trabalhando em conjunto com os psiquiatras, desenvolveram outros inibidores da MAO para o tratamento da depressão, como a meclobemida (Manerix) e a tranilcipromina (Parnate). Embora estes últimos estejam disponíveis no mercado, são pouco usados atualmente.


Nathan Kline


Roland Kuhn


Avid Carlsson


John Cade

O sucesso clínico obtido pelo uso de anti-histamínicos (usados para tratar alergias), como a clorpromazina, levou a uma busca por substâncias adicionais nesta classe. Em 1954, o psiquiatra suiço Roland Kuhn, descobriu então a imipramina (Tofranil), que não tinha os efeitos colaterais da iproniazida (estimulação excessiva, euforia e hepatotoxicidade), e era efetiva em 60% dos casos. Rapidamente a empresa Geigy colocou a imipramina no mercado, obtendo grande adesão ao seu uso. Este grupo de compostos, pela sua estrutura química, ficou conhecido como antidepressantes tricíclicos e gerou outros compostos amplamente comercializados, como a amitriptlina (Elavil), a clomipramina (Anafranil) e outros. Foram desenvolvidos também uma classe derivada, chamada de tetracíclicos, como a mianserina (Bolvidon). Eles funcionam aumentando o nível das monoaminas, como a noradrenalina, a serotonina, etc., por um mecanismo totalmente dos inibidores de MAO. Os tricíclicos e os tetracíclicos inibem sua recaptação pré-sináptica. Isso funciona da seguinte maneira: após liberar o neurotransmissor, como a serotonina na fenda sináptica, ele é retirado rapidamente por uma captação, de volta, pelo terminal pré-sináptico que o secretou (veja o diagrama). O efeito é semelhante ao de inibir a enzima que quebra o neurotransmissor.

Iproniazida

Imipramina

Fluoxetina

Tanto os inibidores da MAO quanto os tricíclicos tinham duas desvantagens grandes, no entanto: eles provocavam muitos efeitos colaterais indesejáveis, e atuavam em vários sistemas de neurotransmissores. No entanto, por quase 20 anos, estes foram os únicos antidepressantes disponíveis para os psiquiatras.

Esse estado de coisas foi mudado dramaticamente em 1970, com a descoberta, pelo neurofarmacologista americano David Wong, que existiam algumas drogas, da classe das butirofenonas, que agiam quase que especificamente sobre o metabolismo da serotonina, um neurotransmissor que estava sendo fortemente implicado no controle dos circuitos emocionais do cérebro. Wong descobriu substâncias que inibiam seletivamente a recaptação da serotonina nas sinapses do cérebro. A teoria diz que as pessoas com depressão tem um metabolismo menor de serotonina, ou um número diminuido de neurônios serotoninérgicos, o que seria uma das causas da depressão (na imprensa leiga, a serotonina algumas vezes é chamada de "neurotransmissor da felicidade"). Portanto, qualquer coisa que aumente a concentração, a disponibilidade ou o tempo de exposição dos neurônios pós-sinápticos à serotonina será um efetivo agente antidepressivo.

Esses compostos, denominados em inglês pela sigla SSRI (Selective Serotonin Reuptake Inhibitors, ou inibidores seletivos da recaptação da serotonina), foram extensamente testados clinicamente, e, por volta de 1988 surgiu no mercado a fluoxetina, com o nome comercial Prozac, que marcou uma nova era no tratamento das depressões. Por seus efeitos sobre a emocionalidade, chegou-se a alegar que o Prozac tornava as pessoas mais felizes, e que até mudaria a personalidade. Milhões de receitas foram escritas nas décadas seguintes, e o Prozac tornou-se um fenômeno da mídia, sendo tomado até mesmo por pessoas normais. Seu grau de segurança e poucos efeitos colaterais levou-o a ser ministrado amplamente por clínicos gerais e outros médicos não psiquiatras, representando hoje cerca de 70% das receitas de antidepressivos. Entre 1996 e 2001, o mercado mundial de antidepressivos da classe do Prozac cresceu cerca em média 80% ao ano! Diversos compostos do mesmo grupo foram desenvolvidos, todos na década dos 90s, como o citalopram (Celexa), a paroxetina (Paxil) e a sertrolina (Zoloft).


Conclusões e o Futuro

Foi enorme o impacto das modernas drogas de tratamento das doenças mentais, como os antipsicóticos, os antidepressivos e os ansiolíticos. Nomes comerciais como Valium e Prozac tornaram-se conhecidos de grande parte da população, e subiram rapidamente aos primeiros lugares entre os medicamentos de todos os tipos mais vendidas no mundo. A medicalização da psiquiatra, a que nos referimos acima, tornou-se completa. Dados da American Psychiatric Association de 1989 mostravam já naquela época que 1/3 dos psiquiatras americanos prescreviam medicamentos psicotrópicos a mais de 84% dos seus pacientes, e que outro terço prescreviam para 47 a 84% dos pacientes.

Como conseqüência da eficácia e da grande disseminação desses medicamentos na medicina, as outras formas de terapia das doenças mentais que predominaram na primeira metade do século XX, como a psicanálise, a terapia de choque e a psicocirurgia foram tremendamente afetadas. A crença em "balas mágicas" psicofarmacológicas aumentou muito na população e na classe médica, embora seja bem sabido que a causação e os fatores extra-biológicos das doenças mentais componham um quadro muito mais complexo do que imaginamos, e que estes novos medicamentos não são tão eficazes quanto desejaríamos.

Outro grande impacto ocorreu sobre a prática da psiquiatria, historicamente dividida entre duas arenas: o consultório de psicanálise, para casos leves, e o sanatório, para as internações. As drogas psicotrópicas foram o esteio da segunda revolução hospitalar nas doenças mentais, ao permitir o controle do paciente e a sua ressocialização. A conseqüência foi um grande esvaziamento destas instituições.

O modelo de "bala mágica", entretanto, revelou-se estar esgotado. O problema principal é que o mesmo neurotransmissor, como a dopamina ou a serotonina, estão envolvidos ao mesmo tempo em numerosos subsistemas neurais, e é muito difícil que um medicamento ministrado sistemicamente afete apenas as sinapses de um destes subsistemas. Um bom exemplo disso é o efeito duplo dos neurolépticos sobre o sistema dopaminérgico envolvido na esquizofrenia e no sistema motor extrapiramidal. As dosagens efetivas cada vez menores têm sido até agora uma boa resposta a este problema, mas existe um limite para isso. Uma bala mágica, por definição, é altamente específica, afetando apenas um subsistema (a insulina é um bom exemplo).

Assim, a esperança para a evolução da psicofarmacologia resta, mais possivelmente, na medicina molecular do futuro, a terapia gênica. Uma pessoa com tendência a ser depressiva, por exemplo, pode ter um ou mais genes que comandam essa disposição. A biologia molecular seguramente descobrirá quais são esses genes, e através da alteração gênica induzida em células-tronco, poderá prevenir que eles se manifestem, ou corrigí-los através da inserção de genes corretos.

Teremos, então, percorrido um longo caminho desde as plantinhas encontradas com Ötzi, até a psiquiatria biológica do século XXI.

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