Mapeando o Cérebro

Renato M.E. Sabbatini, PhD

O Cérebro é Elétrico...

A História do Eletroencefalograma

Construindo os Mapas da Mente

Computadores e as Ondas Cerebrais

Topografia Cerebral do EEG

O Futuro

Recursos da Internet em Mapeamento Cerebral

  
 

O Cérebro é Elétrico...

Os desenvolvimento técnicos no campo das medidas e do registro de fenômenos elétricos realizados nos últimos 25 anos do século XIX tornaram possível um dos maiores triunfos da neurociência moderna: a descoberta, feita pelo psiquiatra alemão Hans Berger, em 1929, de que o cérebro humano também gerava atividade elétrica contínua, e que ele podia ser registrada (veja a História do Eletroencefalograma).

O registro eletroencefalográfico é usualmente realizado através de eletrodos (pequenos discos metálicos) afixados com um gel condutor de eletricidade à pele do crânio. Um poderoso amplificador eletrônico aumenta milhares de vezes a amplitude do fraco sinal elétrico que é gerado pelo cérebro e que pode ser captado (geralmente menos do que alguns microvolts). Um dispositivo chamado galvanômetro, que tem uma pena inscritora presa ao seu ponteiro, escreve sobre a superf'ície de uma tira de papel, que se desloca a velocidade constante. O resultado é a inscrição de uma onda tortuosa, como se vê acima. Um par de eletrodos constitui o que chamamos de um canal de EEG. Dependendo da aplicação clínica que se dá ao EEG, os aparelhos modernos permitem o registro simultâneo de 8 a 40 canais, em paralelo. Este é chamado de registro multicanal do EEG.

Desde os tempos de Berger, é conhecido o fato que as características das ondas registradas no EEG mudam conforme a situação fisiológica, especialmente com o nível de vigilância (acordado, dormindo, sonhando, etc. ). A freqüência e a amplitude das ondas registradas mudam, e então essas ondas características foram batizadas com nomes como alfa, beta, teta e delta. Determinadas tarefas mentais também alteram o padrão observado nas ondas tomadas em diferentes pontos do cérebro (veja o artigo sobre as bases fisiológicas do sonho, no último número de Cérebro & Mente). O eletroencefalograma é usado em neurologia e psiquiatria, principalmente para auxiliar no diagnóstico de doenças do cérebro, tais como epilepsia (convulsões causadas pela atividade caótica dos neurônios, ou células cerebrais), desordens do sono e tumores cerebrais.

Construindo Mapas da Mente

Uma importante aplicação do EEG multicanais é tentar achar a localização exata de um foco epiléptico (um pequeno pponto no cérebro onde a atividade elétrica anormal se origina e depois se espalha para outras partes do cérebro) ou a de um tumor intracerebral, mesmo que ele não seja ainda visível em uma radiografia ou uma tomografia da cabeça.

Um EEG de 32 canais utilizando um registrador moderno.

Cada traço horizontal corresponde a um par de eletrodos colocado em uma área determinada do escalpo de um paciente, formando uma grade regular de eletrodos.

Pela observação dos canais onde ocorre ondar anormais (como as que estão marcadas em vermelho), o neurologista é capaz de deduzir em que parte do cérebro a anormalidade está situada. Isto é muito difícil de fazer de forma manual, quando o número de canais é grande ou a natureza da mudança é complexa. A localização precisa do foco ou tumor, em duas dimensões é praticamente impossível de ser feita.

Portanto, qual é a solução ? O computador, é claro.

  

Computadores e Ondas Cerebrais

Para que se pudesse utilizar a grande potência e a flexibilidade dos computadores digitais para o armazenamento e análise do EEG e outros sinais biológicos, foi de fundamental importância uma invenção: o chamado conversor analógico-digital (ou CAD). Essencialmente, ele é um dispositivo eletrônico que pega uma onda continuamente variável, e a transforma em uma lista de números (cada número sendo a medida de amplitude da onda, tomado a intervalos regulares de tempo). Essas medidas são chamadas de amostras, portanto o processo todo é chamado de amostragem (veja um artigo da revista Informédica para uma explicação mais profunda sobre o CAD). A amostragem é realizada a alta velocidade (tipicamente entre 100 a 200 amostras por segundo), e os números resultantes são armazenados na memória do computador. Cada canal de EEG tem o seu próprio processo de conversão analógico-digital, ou digitalização, realizado em paralelo com os outros canais; e tudo isso acontece em tempo real, ou seja. acompanhando a velocidade das ondas cerebrais.

Assim que as amostras registradas ao longo de um período estão dentro do computador, softwares especiais podem ser usados para exibir as ondas na tela de vídeo, imprimi-las, etc. Técnicas matemáticas que trabalham com grandes conjuntos de números são usadas para realizar filtragens, análises de freqüência e amplitude e mapeamento colorido. Esta abordagem técnica é denominada de EEG quantitativo, por ser diferente da abordagem tradicional, que não faz nenhuma medida em cima do EEG. Ao contrário, ela se baseia na avaliação qualitativa ou aparência geral dos padrões de alteração das ondas.

Topografia Cerebral de EEG

Com a possibilidade de registrar simultaneamente um grande número de canais digitalizados de EEG, uma nova técnica nasceu: a topografia cerebral do EEG, no final da década dos 80. Nesta técnica, um grande número de eletrodos é colocado na cabeça, formando um conjunto de arranjo geométrico, com pontos espaçados igualmente entre si. Um software especial dentro do computador do aparelho de EEG monta um gráfico da atividade elétrica numa tela ou impressora colorida. codificando a quantidade de atividade elétrica em um determinado lugar na forma de gradações ou tonalidades de cor (por exemplo, roxo e preto podem representar uma baixa amplitude das ondas de EEG, enquanto que vermelho e amarelo podem representar amplitudes maiores). Os pontos da cabeça que ficam entre os eletrodos são calculados através de técnicas matemáticas, que usam os valores dos seus vizinhos, e assim uma gradação de cores é atingida.

Esta abordagem proporciona uma representação muito mais precisa e representativa da atividade cerebral, dando uma visão gráfica da localização de alterações na amplitude, ritmo, etc., em relação à superfície do cérebro. Os neurologistas que trabalham com os sistemas de topografia cerebral de EEG logo foram capazes de diferenciar os vários tipos de diagnósticos (incluindo algumas doenças mentais de origem biológica, que se desconhecia previamente). Localizar com a precisão muito alta a localização de alterações do EEG se tornou muito mais fácil. Além disso, o uso de animações quadro-a-quadro de imagens tiradas de mapas cerebrais (o chamado modo cine) tornou possível pela primeira vez o estudo dinâmico da função cerebral em ação.


 
Para Que ?

 

Atualmente, existem muitos sistemas comerciais de topografia cerebral do EEG em uso. Eles geralmente são instalados em um microcomputadore baseado em PCs ou Macintosh, e podem ser facilmente operados por técnicos e médicos, devido ao software para Windows que geralmente acompanham o equipamento. O software é altamente flexível, e permite a programação de muitas configurações e parâmetros de registro, assim como permite a construção de uma base de dados de referência, composta de casos típicos de pacientes com diversas patologias. Normalmente, os registros multicanais podem ser mostrados simultaneamente na tela, ao lado do mapa colorido reconstruído por software, do cérebro. Além disso, vários mapas tomados em ocasiões distintas podem ser mostrados lado a lado, para facilitar a comparação.


  

Veja também O Futuro do Mapeamento Cerebral por EEG.

Para Saber Mais

Veja também a lista de Recursos da Internet em Mapeamento Cerebral de EEG


Créditos das imagens: Siemens Medical Systems, Nicolet Instrument Co., Electrical Geodesics, Inc., Technical University of Graz, Austria, Stanford Research Institute, Medelec, Walter GraphTek, NeuroScan, Inc.


The Author

Renato M.E. Sabbatini é um neurocientista com doutorado em neurofisiologia do comportamento pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil. Foi cientista convidado do Departamento de Fisiologia do Comportamento do Instituto Max Planck de Psiquiatria, em Munique, Alemanha. Atualmente, o autor é o diretor do Núcleo de Informática Biomédica e professor livre docente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. Ele também é editor associado da revista Cérebro & Mente, e editor-chefe das revistas Informédica e Intermedic, uma revista de Internet e Medicina.
Email: sabbatin@nib.unicamp.br
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