Imitação da Vida: A História dos Primeiros Robôs

 Renato M.E. Sabbatini, PhD

Ou a história de como o improvável casamento entre as ciências do comportamento, a fisiologia, a mecânica e a eletrônica produziu pela primeira vez organismos artificiais capazes de comportamento adaptativo, pelas mãos do pioneiro W. Grey Walter.
 

 

Vida artificial

No final da década dos 40s, o Dr. W. Grey Walter, um renomado neurofisiologista conhecido por seus trabalhos com o eletroencefalograma, estava interessado em explorar um modelo eletromecânico dos reflexos simples que todos os organismos possuem. Ele estava convencido que comportamentos complexos e inesperados podem surgir até mesmo em organismos com sistemas nervosos extremamente simples. Walter já era bastante conhecido como uma espécie de gênio interdisciplinar, pois atuava com pioneirismo e desenvoltura na área de interface entre a eletrônica e a biologia. O termo "biônica", o casamento entre essas duas áreas aparentemente tão diferentes, nem havia surgido ainda.

Incomumente habilitado para entender e praticar a fusão entre essas duas ciências, Walter teve então a idéia de criar os primeiros "animais" robóticos autônomos, que ele batizou de Elsie e Elmer (ELectroMEchanical Robot, Light-Sensitive). Eram duas "tartarugas", como ele as denominou, a partir de um personagem do livro "Alice no Pais das Maravilhas".

Do ponto de vista mecânico e eletrônico, eram bastante simples: os "músculos" eram dados por três rodas montadas em triciclo, sendo duas de propulsão e uma de direção, e atuadas por motores elétricos independentes para cada uma delas. Os "sentidos" eram bem primitivos: apenas um sensor de luz e um sensor de contato, montados externamente. A alimentação de energia era fornecida por uma bateria comum, montada na parte de trás. Uma carapaça de plástico abrigava e protegia todo o conjunto.

O "sistema nervoso" à bordo dessa curiosa criatura era extremamente simples: um circuito analógico com apenas duas válvulas eletrônicas, que comandava os motores das rodas e de direção a partir da informação dos sensores. As tartarugas "sabiam" fazer apenas duas coisas: evitar obstáculos grandes, recuando quando batiam em algum, e seguir alguma fonte de luz. Quando a fonte de luz era muito intensa, o robô recuava, ao invés de avançar. (em termos comportamentais, Walter criou animais fototrópicos, como as mariposas).

Veja alguns dos registros históricos do projeto do Prof. W. Grey Walter.

A hipótese original de Walter se comprovou. A interação entre o "sistema nervoso" das tartarugas-robô de Walter e o ambiente, criava comportamentos inesperados e complexos. Os comportamentos nunca se repetiam exatamente, mas seguiam um padrão, geral, exatamente como em um animal.

Por exemplo, Walter construiu uma pequena cabana, onde Elsie podia entrar e recarregar suas baterias. No topo da cabana ele colocou uma lâmpada. Imediatamente notou que as tartarugas vagavam pela sala, mas acabavam procurando a cabana quando suas baterias começavam a ficar mais fracas e se ali se recarregavam, saindo depois para "explorar" o ambiente, à busca de novas fontes de luz.

Colocou também uma lâmpada no topo de cada tartaruga, e observou o aparecimento de um comportamento social de interação entre ambas, que dançavam uma ao redor da outra, em comportamentos de atração e repulsão que evocavam danças de cortejamento sexual e defesa do território!

Observando isto, Walter escreveu, maravilhado, que "notava-se uma incerteza, aleatoriedade, livre-arbítrio ou independência [que eram] aspectos do comportamento animal e da psicologia humana". E mais: "apesar de serem grosseiras [as tartarugas] davam uma impressão de terem objetivos, independência e espontaneidade."

Devido ao comportamento exploratório, especulativo, dos robôs em relação ao ambiente, Walter as considerava uma nova "espécie animal", com o nome científico de Machina speculatrix… Em uma segunda série de experimentos, o cientista criou tartarugas-robôs capazes de aprendizado, que ele mais uma vez batizou com o nome de Machina docilis ("máquina capaz de ser domada"). Ela aprendeu a associar um assobio à uma luz, de tal forma que se comportava como o proverbial cão de Pavlov, buscando o som como se fosse a luz!

Com estes trabalhos, W. Grey Walter passou a ser considerado como um dos pais da cibernética, a nova ciência criada por Norbert Wiener e Warren McCulloch nos EUA, naquela época. Suas tartaruguinhas foram um dos primeiros robôs e um exemplo de uma área que hoje denominados de Vida Artificial, pois era a primeira vez que um ser mecânico exibia propriedades típicas de seres vivos, como comportamento e auto-organização.

Assim, foi natural que Walter tivesse obtido uma tremenda atenção por parte da imprensa, causando enormes discussões e interesse. Walter recebeu muitos pedidos de pessoas que queriam adotar Elsie e Elmer, como bichinhos de estimação, e ele mesmo conta que desenvolveu uma certa afeição pelos "animaizinhos", que pareciam ter personalidade própria.

O tipo de robô autônomo criado por W. Grey Walter teve seus sucessores modernos também, como veremos a seguir. O robô marciano Sojourner I, é um deles. Existem até mesmo "robôs pessoais" que podem ser adquiridos, como o Cye, que segue a mesma filosofia geral de Elsie e Elmer.

Como veremos adiante, tem muita gente que pensa que robô é gente... Mas antes vamos examinar de perto essa formidável invenção humana e o potencial que oferece para substituir o trabalho e a inteligência através de máquinas.

 

Próximo: W. Grey Walter: A Machina speculatrix

Para Saber Mais

  1. Walter, W. Grey - A machine that learns. Scientific American, 184(8): 60-63, August 1951.
  2. Walter, W. Grey - An imitation of life. Scientific American, 182(5): 42-45, May 1950.
  3. Walter, W. Grey - The Living Brain, W. W. Norton, New York, 1963.
  4. Sabbatini, R.M.E. - Vida artificial. Correio Popular, Caderno de Informática, 22/07/97
  5. Sabbatini, R.M.E. - Robô não é gente. Correio Popular, Caderno de Informática, 05/08/97.
  6. Sabbatini, R.M.E. - Um robô no seu futuro ?. Correio Popular, Caderno de Informática, 19/09/1995.
  7. Turkle, S. - The Second Self: Computers and the Human Spirit.
  8. Walter's world. New Scientist, 25/7/98.
  9. Machina speculatrix: a história de W. Grey Walter e como reproduzir Elsie usando Lego. URL: http://www.plazaearth.com/usr/gasperi/walter.htm
  10. Holland, O. - The Gray Walter Archive On-Line. University of West England. URL: http://www.uwe.ac.uk/facults/eng/ias/gwonline.html
  11. Tamagotchi Central: http://members.tripod.com/~Tamagotchi_Central/
  12. Tamagotchi Fever: http://192.216.191.80/TimesSquare/Castle/1999/
  13. Robot Control Based on Neural Networks (CONNY): um projeto europeu para robôs espaciais. http://www.cordis.lu/esprit/src/results/pages/transpor/transp3.htm
  14. Virtual Reality Models of the Mars Rover (NASA): http://mpfwww.jpl.nasa.gov/vrml/vrml.html


Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br


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