A Evolução
da Inteligência
Parte
7: Religião, Arte e Culture
Renato M.E. Sabbatini,
PhD
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O
advento da inteligência simbólica avançada trouxe para os seres humanos
muitos presentes e conseqüências. Um deles, o auto-conhecimento, nos
permite interpretar a realidade de uma maneira subjetiva e conceituar
nossa existência, em comparação com outros animais e outros seres
humanos. A auto-realização também permitiu que os seres humanos
pré-históricos fossem capazes de desenvolver estratégias, planejar e
antecipar o futuro. Outra habilidade impressionante é a capacidade de
produzir símbolos e abstrações, isto é, representações mentais internas
da realidade, "invenções do pensamento" e crenças não fundamentadas na
realidade. A linguagem nos deu também a capacidade de nos comunicarmos
através de um sistema aberto e com flexibilidade literalmente infinita
de símbolos sonoros (palavras), portanto, permitindo-nos passar essas
realizações, crenças, invenções, entendimentos e conhecimentos para os
outros seres humanos do nosso grupo social, de geração a geração.
Tudo isso produziu três das características mais distintivas da
humanidade: a religião, a arte e a cultura. Todas elas apareceram pela
primeira vez no Paleolítico superior, e estavam presentes, há cerca de
80.000 anos atrás, nas duas espécies de Homo sapiens,
os cro-magnons e os neandertais.
O seu maior desenvolvimento, no entanto ocorreu de uma forma muito
rápida, cerca de 30.000 anos atrás, e apenas no Homo sapiens
sapiens (daí essa sub-espécie ter recebido esse nome), no
Neolítico Superior. O número e a variedade das invenções do intelecto
humano a partir dessa época, foi tão grande e surpreendente, que ela
foi chamada de “O Grande Salto para a Frente”, ou
ainda, de “A Revolução do Neolítico”. Ela levou, de
uma forma ou outra, em apenas 20.000 anos, à agricultura e à
domesticação dos animais, às civilizações urbanas, ao dominio
dos metais e às grandes mudanças tecnológicas que caracterizam a
chamada “modernidade do comportamento”. Por enquanto, sabemos muito
pouco do que causou essa explosão táo rápida de modernidade, mas parece
ter sido alguma reorganização fundamental do cérebro humano,
principalmente quanto ao papel dos lobos prefrontais.
Religião
Vamos fazer um exame da religião. A
capacidade de auto-reconhecimento nos levou muito cedo à compreensão de
que todos os seres humanos acabam por morrer, um feito que nenhum outro
animal é capaz. A constatação da mortalidade, então, separa os seres
humanos do resto do reino animal. Isso, como veremos, levou,
eventualmente, aos rituais de sepultamento, ao culto dos mortos, à
crença na vida após a morte, nos espíritos, nos deuses e outras
entidades abstratas e não diretamente observáveis, mas que são
relacionados com a Natureza, e à qual denominamos genericamente de
religião.
Os especialistas
concordam que enterrar os mortos é o primeiro sinal que podemos
observar no registro histórico da humanidade como algo semelhante à
religião. Enterros dos corpos dos mortos no Paleolítico Superior
(40.000 a 10.000 anos atrás) refletem o surgimento de um lado
espiritual humano, pois, além da elaborada preparação e a seleção de
locais especiais para o enterro, estes primeiros H. sapiens sapiens
claramente faziam oferendas mortuárias de objetos da vida diária, tais
como flores, enfeites corporais, ferramentas, armas e utensílios de
cozinha, bebidas, alimentos, etc, que eram colocadas no túmulo do
falecido. Isto marcava, evidentemente, a existência de uma crença na
vida após a morte. como ocorre em todas as religiões de origem
neolítica, e nas modernas também. Nas espécies antecessoras do Homo e
nos australopitecos isso não pode ser demonstrado, pois eles não
enterravam ritualmente seus mortos, embora podemos imaginar que
reconheciam a morte de seus semelhantes e os “pranteassem”, como
acontece em macacos antropóides, que manifestam comportamento
semelhante ao luto.
Porém, evidências arqueológicas de
sites de neanderthis, como Shanidar, no Iraque, e Le Ferrassie, na
França, têm dado provas de que o Homo sapiens neanderthalensis,
aparentemente enterravam seus mortos em posições específicas. No
entanto, os neandertais não pareciam depositar oferendas, por isso,
provavelmente eles eram desprovidas de rituais e outras atividades
simbólicas similares ao culto mortuário.
Por que a religião
evoluiu para o que é hoje, ou seja, um sistema organizado e fielmente
transmitido de crenças e de fé? Ela existe nos povos neolíticos mais
primitivos ainda existentes, na forma de um sistema de mitologias
cosmogônicas (de como surgiu o mundo natural e os seres humanos),
rituais e superstições, intermediadores das divindades como os pajés,
xamãs e sacerdotes, oferendas e sacrifícios aos deuses, animismo, etc..
O melhor palpite é que ela é a resposta do homem às forças
incontroláveis da natureza. O autor Gregory
J. Rosmaita expressou isso de forma clara:
"Os
rituais de sepultamento dos povos pré-históricos é um testemunho mudo
da vontade humana universal de manter a ilusão de controle sobre as
forças naturais incontroláveis. Enquanto uma ilusão de controle não
puder ser lançada sobre a assustadora extensão física selvagem que se
estende entre o nascimento e a morte, nem a psique e nem o intelecto
podem enfrentar a morte com total confiança. Somente através da fé a
humanidade poderá enfrentar o mistério último da existência, sem
desespero. [...]. Pego entre o nascimento e a morte, o homem
desenvolveu ritos funerários sofisticados, não só para o
benefício dos mortos, mas como um meio com o qual ele pode afastar o
fantasma sempre presente da morte "
Arte e Cultura
Outra dádiva da
inteligência, a capacidade de observar a natureza ao nosso redor e
tentar entendê-la, levou à arte, como sua expressão simbólica, para
fins rituais, mágicos ou estéticos. Ela parece ter começado com as
gravações em relevo e as pinturas ruprestes, realizadas nos tetos e
paredes das cavernas onde o H. sapiens sapiens vivia. Estas formas de
expressão apareceram pela primeira vez na África há cerca de 75,000
anos atrás (claramente observadas na caverna de Blombo, por exemplo),
ou até mais antigas ainda (um tipo de marcação artefatual humana, as
chamadas cúpulas, que são depressões simétricas escavadas na rocha, e
marcas sinuosas, em X e em zigue-zague, entalhadas em ossos, claramente
com uma função simbólica, foram encontradas em cavernas na India,
datadas de 100.000 anos atrás). .
Pinturas
rupestres nas paredes das cavernas de Lascaux, datadas
de
18,000 anos AC
|
Escultura
pré-histórica de pedra
("Vênus
de Willendorf") 24.000 AC
|
Flautas de
osso d 20.000 AC
|
Os exemplares
mais impressionantes, no entanto, surgiram de 30.000 a 35.000 anos
atrás, na Europa, durante a última Idade do Gelo, e marcaram o início
do que foi uma verdadeira "explosão criativa". Exemplos desta arte são
encontradas em cavernas como Lascaux, na França, Altamira, na Espanha,
e em muitos outros lugares na Europa. Ao lado das pinturas foram
achados materiais de desenho e coloração, luminárias de pedra que
usavam gordura animal como combustível, restos de fogueira e outros
vestígios deixados pelos artistas. Algumas das cavernas eram tão
profundas e inacessíveis, que provavelmente nunca serviram de moradia,
mas apenas para abrigar as pinturas, quase que como museus primitivos.
Não sabemos ao certo porque o H. sapiens sapiens
descobriu a arte e qual foi o seu propósito. Talvez as cavernas
servissem como uma espécie de santuário, e as pinturas de animais
estivessem relacionadas a rituais mágicos com o objetivo de augurar e
aumentar o sucesso da caça (a maioria das pinturas descreve animais de
caça comuns dos cro-magnons, como auroques, antílopes, mamutes,
cavalos, rinocerontes lanudos, e o outros), em uma riqueza
impressionante de detalhes. Em alguns casos aparecem também figuras
humanas com armas de caça, perseguindo esses animais, tão importantes
para a sobrevivência nos hostis ambientes em que viviam. Ou, talvez,
foi apenas porque os homens pré-históricos se sentiam ociosos e
enfastiados em suas estadias prolongadas em cavernas durante os longos
invernos da Idade do Gelo (que duravam provavelmente por mais de oito
meses no ano, sem oportunidade de conseguir outro tipo de alimento
exceto carne de caça, como acontece com o povo inuit do Ártico).
De fato o
eminente especialista Ian Tattersall acredita que a arte
tornou-se possível pela existência de excedentes econômicos (nas
cavernas, bem alimentados com carne defumada da caça de grandes
animais, permitiu que os seres humanos tivessem muito tempo livre para
a decoração e o entretenimento). A arte também pode ser uma tentativa
desses primeiros humanos modernos para descrever e explicar o mundo ao
redor deles e como eles se relacionam com ele. É interessante como uma
das primeiras manifestações da arte rupestre eram impressões das mãos,
obtidas esfumando-se pigmento ocre ou negro ao redor da mão firmemente
apoiada e aberta sobre a parede da caverna. Existem milhares dessas
impressões, que dão a impressão de serem uma manifestação de
individualidade, tipo uma assinatura do artista.
A linguagem trouxe a cultura, a preservação dos costumes,
comportamentos, atitudes e transmissão de conhecimentos de geração em
geração. A religião está intimamente relacionada com mitos e a história
falada, que também estão presentes em todas as culturas humanas. Estes
só pode acontecer com a ajuda da linguagem, que instituiu a tradição
oral. De fato, em todas as culturas que são desprovidas de linguagem
escrita, os contadores de histórias são membros muito importantes da
comunidade. Muitos deles conseguem decorar extensos "livros" de
história, muitas vezes na forma de poemas, que são repetidas oralmente
e repassados de geração em geração através de um tipo de aprendizagem
por memorização de jovens selecionados. Com isso, surgiram as
manifestações culturais mais típicas da era moderna, como a escultura,
a música, a dança (presentes universalmente em todas as culturas, e
provavelmente também entre os cro-magnons da cultura neolítica
auragciniana. Flautas de osso perfurado, de 50.000 anos de idade,
capazes de gerar uma escala musical parecida com a atual, foram achadas
em cavernas na Europa), e posteriormente a grande revolução da
linguagem escrita, que mudou absolutamente tudo nas eras seguintes.
Copyright
(c) 2001 Renato
M.E. Sabbatini
Universidade
Estadual de Campinas,
Brasil
Piblicado
inicialmente em 15 de fevereiro de 2001.
Atualizado em 18 de setembro de 2011
URL
desta página: http://www.cerebromente.org.br/n12/mente/evolution07_p.html